O paradigma perdido a natureza humana
EDGAR MORIN
O PARADIGMA PERDIDO: A NATUREZA HUMANA
4ª edição
PUBLICAÇÕES EUROPA-AMÉRICA
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PRIMEIRA PARTE
A sutura epistemológica
“Tudo nos incita a pôr termo à visão de uma natureza não humana e de um homem não natural.”
Serge Moscovici
1. A ciência fechada A evidência estéril Todos sabemos que somos animais da classe dos mamíferos, da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do gênero homo, da espécie sapiens, que o nosso corpo é uma máquina com trinta bilhões de células, controlada e procriada por um sistema genético que se constituiu no decurso de uma longa evolução natural de 2 a 3 bilhões de anos, que o cérebro com que pensamos, a boca com que falamos, a mão com que escrevemos, são órgãos biológicos, mas este conhecimento é tão inoperante como o que nos informa que o nosso organismo é constituído por combinações de carbono, de hidrogênio, de oxigênio e de azoto. Admitimos, desde Darwin, que somos filhos de primatas, embora não nos consideremos primatas. Convencemo-nos de que, descendentes da árvore genealógica tropical em que vivia o nosso antepassado, dela nos escapamos para sempre, para construirmos, fora da natureza, o reino independente da cultura. O nosso destino é, evidentemente, excepcional em relação aos animais, incluindo os primatas que domesticamos, reduzimos, reprimimos e metemos em jaulas ou em reservas; fomos nós que edificamos cidades de pedra e de aço, inventamos máquinas, criarmos poemas e sinfonias, navegamos no espaço; como não havíamos, pois, de acreditar que, embora vindos da natureza, não tenhamos passado a ser extra naturais e sobrenaturais? Desde Descartes que pensamos contra a natureza, certos de que a nossa missão é dominá-la, subjugá-la, conquistá-la. O cristianismo é a religião de um homem cuja morte sobrenatural escapa ao destino comum das criaturas vivas; o humanismo é a filosofia de um homem cuja vida sobrenatural escapa a esse destino: homem que é sujeito num mundo de objetos