O nascimento da medicina social
O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL
Analisarei, nesta conferência, o nascimento da medicina social. Encontra−se, freqüentemente, em certos críticos da medicina atual, a idéia de que a medicina antiga − grega e egípcia − ou as formas de medicina das sociedades primitivas são medicinas sociais, coletivas, não centradas sobre o indivíduo. Minha ignorância em etnologia e egiptologia me impede de opinar sobre o problema. O pouco conhecimento que tenho da história grega me deixa perplexo, pois não vejo como se pode dizer que a medicina grega era coletiva e social.
Mas não são esses os problemas importantes. A questão é de saber se a medicina moderna, científica, que nasceu em fins do século XVIII entre Morgani e Bichat, com o aparecimento da anatomia patológica, é ou não individual. Pode−se dizer − como dizem alguns, em uma perspectiva que pensam ser política, mas que não é por não ser histórica − que a medicina moderna é individual porque penetrou no interior das relações de mercado? Que a medicina moderna, na medida em que é ligada a uma economia capitalista, é uma medicina individual, individualista, conhecendo unicamente a relação de mercado do médico com o doente, ignorando a dimensão global, coletiva, da sociedade?
Procurarei mostrar o contrário: que a medicina moderna é uma medicina social que tem por background uma certa tecnologia do corpo social; que a medicina é uma prática social que somente em um de seus aspectos é individualista e valoriza as relações médico−doente. Sobre este assunto gostaria de indicar uma referência bibliográfica. Trata−se do livro de Victor Bullough "The development of medicine as a profession", de 1965, sobre a história da medicina na Idade Média, em que se vê claramente que a medicina medieval era de tipo individualista e as dimensões coletivas da atividade médica extraordinariamente discretas e limitadas.