"O Milagre" de Miguel Torga
A mãe, com o seu instinto agudo de mulher, a chorar, até ao último momento lhe pediu:
- Não cases, filho. Pelo amor de Deus, não cases com ela... Acredita que não é por ser pobre: é por causa da casta... Adivinha-me o coração que vais ser muito infeliz.
O rapaz, porém, estava cego. Metera-se-lhe a Raquel no pensamento e não havia razão que o vencesse. Sabia que não era bonita, e via bem que nunca seria companheira para lhe jungir os bois e roçar um carro de mato. Mas gostava dela sem saber porquê, doida e teimosamente. Rapariga da sua criação, fora sempre adoentada e sorumbática. Apesar disso ganhara-lhe um tal amor que, não obstante as outras o picarem com ditos e darem a demonstrar que estariam pelos ajustes, acabou por lhe pedir namoro.
A rapariga atendeu-o sem grande entusiasmo e deu-lhe um sim que deixaria outro qualquer desiludido. Ele é que não precisou de mais.
Mal a notícia constou na terra, ninguém se resignou.
- Um rapaz daqueles merecia coisa melhor!
- protestavam todos.
Embora ninguém pudesse apontar à cachopa tanto como uma unha em matéria de honestidade e a pouca saúde não fosse propriamente um defeito, havia vários casos de loucura na família. E como o Pedro era uma espécie de príncipe da aldeia, são, alegre e lindo como um S. Vicente, tal união parecia-lhes um atentado contra a natureza.
- Homem, vê lá... Pensa bem no que vais fazer... - ponderou-lhe o prior. - A Raquel não é má pequena... Agora quanto ao resto... Tens de contar com a carga hereditária... Olha, eu não digo nada. Resolve tu...
Deu-lhe a mesma resposta que dava aos outros:
- Casamento e mortalha no céu se talha. A sorte quis assim, seja o que for.
E contra a vontade de todos - menos dos pais da rapariga, mortos por vê-la com dono -, casaram.
A princípio correu tudo pelo melhor. Embora não fosse a mulher de armas de que o rapaz necessitava no começo da vida, a Raquel lá ia dando conta do recado. Cozinhava, tratava dos vivos, chegava praticamente onde as mais