miguel torga
Contos germinados e medrados na Montanha, de acordo com palavras do próprio autor, dirigidas ao leitor, no prefácio à segunda edição "Escrevo-te da Montanha, do sítio onde medraram as raízes deste livro", estes textos narrativos, numa linha de continuidade da obra Contos da Montanha, percepcionam histórias acontecidas num espaço e vividas por gentes que enformam a memória da infância e da adolescência de Miguel Torga. Este espaço, definido pelo autor, como o "Reino Maravilhoso", povoado por uma existência materialmente pobre, mas eticamente rica, foi, simultaneamente, o seu berço e a sua escola, comprometendo-se este, em nome da "consciência colectiva" do leitor, enquanto entidade responsável socialmente, a denunciar aquele quotidiano de fome, ignorância e desespero.
Testemunho da vivência sofrida dos seus "irmãos" transmontanos, estes contos ilustram personagens, de tipo torguiano que reconhecemos como "autênticas" e inteiras e que fazendo parte do Portugal de hoje, constituem uma "montra de heróis montanheses, revoltadamente livres e trágicos na sua solidão". Verdadeiras, estas são personagens detentoras de vícios e de virtudes, atuando de acordo com a circunstancialidade cultural que se vem projetando ao longo dos tempos.
Assim, o conto O Alma Grande apresenta-nos uma personagem que nos remete para a morte e para a forma como esta gente serrana convive com ela. Na verdade, vestindo a pele de Parca, o Alma Grande aparece a pedido dos familiares dos doentes em fase terminal para lhes cortar o cordão umbilical que os liga precariamente à vida, como forma de lhes aliviar o sofrimento. Entendido assim pelos adultos, esta personagem vai ter que se debater com o esturtor de Isaac que, agarrado à vida, consegue escapar às tenazes e ao peso do joelho da "morte". Incapaz de agir perante o filho do moribundo, Abel, que entrara no quarto, levado