O discurso do método
A obra de Descartes, mais especificamente o seu Discurso do Método pode ser vista como uma sistemática reflexão sobre seu tempo através de uma tomada de posição específica frente a uma crise que, a partir de seu posicionamento, inaugurou uma nova epistemologia e uma nova maneira de olhar a realidade.
É preciso assumir uma perspectiva hermenêutica na leitura da obra de Descartes a partir do momento em que sua época se desprendia de uma visão de mundo centralizada na autoridade e no poder centralizado da religião. Porém, essa perspectiva hermenêutica não pode deixar de levar em conta que o que ele pensou também foi assumido pela tradição como forma de conciliar os dogmas religiosos com a ciência que despontava na modernidade. Necessário é salientar que foi um processo gradual essa conciliação.
Assumindo, de certa forma, o espírito humanista de sua época e centralizando-se na capacidade racional humana na busca do conhecimento, Descartes preocupou-se fundamentalmente em construir um modo para que pudéssemos chegar a um conhecimento seguro. Esse modo é a dúvida, o seu método, o caminho.
Para esse objetivo, notamos que ele incorporou o espírito que se formava na época e diferenciou seu discurso dos tratados filosóficos medievais impessoais e abstratos, escrevendo na maioria das vezes na primeira pessoa e exemplificando suas idéias a partir de suas experiências pessoais.
Seu estilo pessoal, quase confessional, mescla sentenças de cunho afirmativo-perceptivo de caráter universal e logo em seguida é justificada sua validade a partir da narrativa de sua experiência pessoal racional. Vemos esse exemplo nesse trecho:
“As maiores almas são capazes dos maiores vícios, como também das maiores virtudes, e aqueles que só andam muito devagar podem avançar bem mais, se seguirem sempre pelo caminho