O Deus Abortado
Um medo tão irracional e primitivo que seria impossível descrever em palavras o quão imenso ele era. E sua causa era apenas uma: eu não sabia o que me esperava no final daqueles degraus.
Lembro-me vagamente de que horas antes daquele momento encontrava-me na base da Missão de Paz da ONU na Índia quando rumores sobre uma insurgência civil começaram a circular pelas tendas dos militares. Menos de quarenta minutos depois o rumor virou realidade e todos nós subimos nos caminhões e seguimos com nosso armamento em direção à Bangladesh.
Quinze minutos de viagem depois, lá estávamos nós, transpondo a força um mar de pessoas que ocupavam as largas ruas indianas. A população gritava e esperneava. Vi mulheres e crianças chorando copiosamente. Observei velhos que erguiam seus braços aos céus e clamavam em uma língua esquisita. E os corpos jogados por todos os cantos, um sem-número de corpos espalhados pelo asfalto.
Toda a guarnição observava estupefata àquela situação. Em dois anos de missão só havíamos enfrentado duas manifestações populares, e nenhuma se comparava aquilo que acontecia sob nossos olhares... O povo estava em êxtase.
O tradutor do grupamento colocava a todo momento a cabeça para fora do caminhão e, contra os gritos enfurecidos de nosso sargento, tentava escutar o que a população gritava naquela algazarra.
Seus olhos cheios de pavor me diziam para não perguntar o que ele havia entendido daquelas palavras exóticas e aparentemente todos pensaram a mesma coisa, pois nenhum de nós, com exceção do sargento, disse uma só palavra em todo caminho.
Shiva...Shiva...Shiva... Foi a única palavra que todos nós entendemos quando chegamos ao hospital.
A população o cercava e o exército local tentava a todo custo manter os portões fechados. Desembarcamos e abrimos caminho no meio da