O Cortiço
Capítulo 1
João Romão foi dos treze aos vinte e cinco anos, empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de uma suja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizou do pouco que ganhara nessa dúzia de anos, que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamento de ordenados vencidos, nem só a venda com o que estava dentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.
Ganancioso, João Romão se privava dos deleites da vida, no forte desejo de enriquecer. Dormia no balcão da própria venda e com quatrocentos réis por dia, arrumava o que comer com sua vizinha Bertoleza, crioula, escrava de um velho cego e dona de uma quitanda.
Bertoleza era muito esforçada também; amigada com um português que fazia fretes pela cidade, a crioula tinha em sua quitanda o seu ganha pão. Pagava vinte mil-réis por mês a seu senhor para viver “livre” e ainda assim, pouco lhe faltava para a alforria.
Com a morte de seu companheiro, Bertoleza achou em João Romão um amigo confidente. A ele confiou todos os seus segredos, até mesmo suas economias.
E assim, João Romão passou a ser seu caixa, procurador e conselheiro. Tal foi a aproximação, que com o tempo, se encontravam amigados. Com a economia da crioula, João levantou uma casinha, na qual a frente foi destinada a uma quitanda e o fundo para um dormitório. João chegou a forjar uma carta de alforria, e pouco depois, tranquilizou-se com a morte do senhor da crioula, não tendo assim, problemas com o documento falso.
Um ano após a aquisição da crioula, tamanho era sua economia, que começou a comprar os terrenos próximos a venda. Pela madrugada, ele e Bertoleza saíam a furtar a pedreira do fundo e os materiais das casas próximas que estavam em obra, para usar-lhes na construção das casinhas em seu terreno. Para acumular dinheiro, João ainda enganava os fregueses sempre que podia, e assim, conseguiu adquirir a pedreira que havia no fundo de seus