A relação entre Filosofia e Literatura
Dois exemplos na Filosofia do século XX: Paul Ricoeur e Martha Nussbaum
Esclarecimento prévio
Falar da relação entre Filosofia e Literatura supõe manipular dois conceitos – o de Filosofia e o de Literatura – que não vão, em si mesmos, ser analisados. Enquanto constituintes de uma problemática, o seu campo semântico vai ser pressuposto como adquirido e não alvo de tematização. Ou seja, movimentar-me-ei dentro de uma circularidade hermenêutica que assume, por isso, uma pré-compreensão de base comum, entre mim e o auditório, sobre o que Filosofia e Literatura convocam como significação.
Recorrendo à designação de Todorov1, direi que vou apelar para o sentido funcional dos dois termos, sentido esse que possibilita um entendimento inter-subjectivo e mesmo social.
Apenas para clarificar o meu pressuposto de partida, acrescentarei que por Filosofia e por Literatura entendo dois usos ou jogos de linguagem que configuram dois campos teóricos próprios e diferenciados, delimitando espaços de autonomia.
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O presente estudo está dividido em duas partes: numa primeira parte, abordar-se-á a questão da relação entre Filosofia e Literatura, procurando encontrar eixos axiais da configuração da questão em si própria; numa segunda parte, apresentar-se-ão dois exemplos de filosofias contemporâneas – a de Paul Ricoeur e a de Marta Nussbaum – para quem a Literatura desempenha um papel essencial na compreensão e no fazer filosófico.
I
Alguns nós da problemática
A relação entre Filosofia e Literatura é uma velha história com traços de conflitualidade e de ambiguidade.
Se aceitarmos que a emergência da Filosofia na Grécia se faz no sentido de uma ruptura com o modo de expressão poético-religiosa, teremos a primeira ambiguidade logo em Parménides que usou a forma poética – o conhecido Poema de Parménides – para expressar um modo de pensar assente numa lógica rigorosamente binária de “ser ou não ser’. E, neste mesmo quadro de