A NOÇÃO DE REGRA
A noção de regra: princípio da cultura, possibilidade de humanidade*
Luiz Henrique Passador
Q
Quantas vezes você já reclamou das regras que o mundo lhe impõe, limitando sua liberdade de escolha, ação, pensamento e expressão? Certamente, mais de uma. E certamente você também não foi o único, pois as regras cumprem esse papel de cercear, regular e limitar a atividade humana. Mas também cumprem o papel de ordenar e dar sentido a ela, permitindo que nossas expressões alcancem um conteúdo que lhes desejamos dar e, assim, possam ser entendidas pelo mundo. É isso que garante a possibilidade do exercício de liberdade que nos é mais caro: a liberdade de expressar nossas próprias ideias. Portanto, a liberdade só é alcançada quando abrimos mão dela, o que parece contraditório e paradoxal à primeira vista. Tomemos um exemplo rotineiro para entendermos esse fato.
Suponhamos que você queira xingar ou fazer uma declaração de amor a alguém. Não faz sentido algum xingar ou declarar-se se o sujeito a quem for dirigido o impropério ou a sedução não entender o que você quer
* Quero expressar meus agradecimentos a Marian Dias Ferrari, por suas contribuições para o entendimento das questões psicanalíticas discutidas neste capítulo.
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Luiz Henrique Passador
dizer. Para tanto, será preciso verbalizar seus sentimentos de forma a garantir que, quem receber suas mensagens, entenderá plenamente o conteúdo que você formulou e quis transmitir através delas. Ora, isso só será possível se ambos compartilharem da mesma língua. Não só você verbalizará seus conteúdos subjetivos definidos pela língua comum a ambos, como terá de formulá-los antes de expressá-los: você pensará através da língua. Não só pensará, como produzirá emoções decifráveis pela língua utilizada, isto é, que ela pode traduzir em palavras e frases e que, portanto, já se encontram previamente decifradas e codificadas nela: você organizará suas emoções através da língua. Não só