A lei natural em Tomás de Aquino
(Suma Teológica, Ia-IIae, q. 94, a. 2)
Deve ser dito que, como já se disse acima (q. 91, a. 3), os preceitos da lei natural estão para a razão prática do mesmo modo que os princípios primeiros da demonstração estão para a razão especulativa27, pois uns e outros são axiomas evidentes em si mesmos.
Ora, um axioma pode ser dito evidente em si mesmo de dois modos: de um modo, em si; de outro modo, quanto a nós. Toda proposição é dita conhecida em si mesma se o atributo pertence à definição do sujeito; ocorre, porém, para aquele que ignora a definição do sujeito, tal proposição não será evidente por si mesma. Assim esta proposição: ‘o homem é racional’, é evidente por si mesma segundo a natureza mesma do homem, pois quem diz homem, diz racional; todavia, para aquele que ignora o que é o homem, esta proposição não é evidente por si mesma. Disto segue-se, como o diz Boécio (Sobre as Semanas, PL 64,
1311), que existem certas frases ou proposições que são conhecidas em si mesmas por todos os homens, como aquelas proposições cujos termos são conhecidos por todos, como
‘qualquer todo é maior que sua parte’ e ‘os que são iguais a um terceiro, são iguais entre si’.
Há, porém, outras proposições conhecidas por si mesmas apenas pelos sábios que apreendem a significação dos seus termos. Assim, para aquele que intelige que um anjo não é corpo, parece evidente por si mesmo que um tal ser não está circunscrito em um lugar, o que não é manifesto aos rudes, que não o captam.
Há uma ordem entre as verdades que estão ao alcance da apreensão de todos. Com efeito, o que é apreendido em primeiro lugar é o ente, cuja intelecção está inclusa em tudo que alguém apreende. Eis por que o primeiro axioma indemonstrável é que ‘não se pode ao mesmo tempo afirmar e negar’, o que está fundado na noção do ente e do não ente; e é sobre este princípio que todas as outras verdades estão fundadas, como se diz no Livro IV da Metafísica (3,1005