A filosofia na obra de Machado de Assis
Machado de Assis
M ig u e l R e a l e
I
Considerações preliminares
Quem se dispõe a apreciar os aspectos filosóficos da obra de Machado de Assis vê-se logo perante uma alternativa: Filosofia de Machado de Assis, ou na obra de Machado da Assis? Não há nada de surpreendente que se comece por uma aporia, pois as perplexidades, os contrastes e as contradições enxameiam os romances, os contos, as crônicas, as poesias e as páginas de crítica do patrono da Academia
Brasileira de Letras, comprazendo-se ele em jogar com termos opostos ou distintos, sem que seu espírito opte por um deles, preferindo antes mantê-los correlatos numa viva concretude.
Pelo que me foi dado observar, relendo as obras de Machado de
Assis, ele emprega a palavra “filosofia’’ pelo menos com três acepções distintas, às vezes complementares. Em primeiro lugar, usa o termo em tom jocoso, como, por exemplo, ao referir-se ao ‘grunhir
Jurista, professor, ensaísta. Sua bibliografia fundamental abrange obras de
Filosofia, Teoria
Geral do Direito,
Teoria Geral do
Estado e estudos de Direito
Público e
Privado. É o fundador da
Revista Brasileira de
Filosofia (1951) e presidente do
Instituto
Brasileiro de
Filosofia.
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M ig uel Reale
dos porcos, espécie de troça concentrada e filosófica”, ou, a “um asno de Sancho deveras filósofo”, ou quando nos mostra Quincas Borba a trincar uma asa de frango “com filosófica serenidade”.1
Não se pense que Machado de Assis tenha desapreço pela Filosofia, pois bem poucos de nossos escritores revelam tão constante preocupação filosófica, que, no prefácio do romance cujo primeiro centenário estamos comemorando, é deliciosamente apresentada como “rabugens de pessimismo”.
Poder-se-ia afirmar que é com essa obra que se afirma, em toda a sua plenitude, a que poderíamos qualificar, sob certo prisma, de “fase filosófica” da criação machadiana, quando o enredo ou a trama dos romances adquirem transparência através dos