A dualidade do conceito de cultura
A Dualidade do Conceito de Cultura Roberto DaMatta (Publicado no jornal “O Estado de São Paulo” em 20/05/1999) Nossa atenção ao conceito de cultura é inversamente proporcional à paixão com que falamos sobre os seus produtos. Arte, música, literatura, teatro e cinema são, como no futebol, quase sempre discutidos, enquanto a grande categoria que permite alterar estas coisas - a ideia de cultura - é ignorada. E, no entanto, existe uma dualidade no conceito de cultura. Há a ideia da Cultura ( com “C” grande ) e a “cultura” ( com “c” pequeno ). A entrega de um “prêmio multicultural” é uma boa oportunidade para refletir um pouco sobre essas duas acepções que, sem espírito crítico, podem levar a uma visão deformada e confusa da vida social e de seus produtos mais proeminentes e elaborados. Na visão corrente - a dos suplementos literários e das revistas semanais – a “Cultura” com “c” maiúsculo engloba “cultura” como estilo de vida. Dessa perspectiva, haveria um padrão ideal de manifestação artística, literária e dramática dentro do qual caberiam todos os outros costumes e manifestações humanas. Os grandes artistas do Ocidente seriam o ponto para onde tenderiam todas as outras expressões intelectuais e emocionais. Essa é uma maneira linear e englobante de falar de “cultura “. Um jeito que obviamente limita a problemática da diversidade e da equivalência de outros valores e formas simbólicas. Nesse sentido preciso, a “Cultura” canibaliza as “culturas”, fechando espaços para manifestações locais e singulares, quase sempre lidas como “atrasadas”, “ingênuas”, “primitivas” e, usualmente, “desinformadas”, “elementares” e “subdesenvolvidas”. Vistas como apêndices da grande “Cultura” produzida nos países centrais, essas manifestações não têm vida própria e luz interior, pois seriam meros ensaios e bisonhas caricaturas das técnicas e da obra que só o Ocidente produziu, esse “Ocidente” que, nesse contexto, assume o papel de medida universal de todas as coisas. Mas como, mais