A denuncia da mordomia Ricardo Kotscho
Ricardo Kotscho
A censura prévia tinha acabado de sair do Estadão nos primeiros meses de 1976. Fernando Pedreira, diretor de redação, me chamou e mostrou uma reportagem da revista New Yorker sobre a boa vida e os privilégios dos altos funcionários na então União Soviética. “Dá uma olhada nisso. Você vai descobrir que aqui é a mesma coisa; comentou, do alto dos seus cabelos brancos e largos conhecimentos sobre as entranhas do poder militar. Deu-me algumas fontes, amigos seus de Brasília e do Rio de Janeiro, e desejou-me boa sorte, sem estipular um prazo para entregar a reportagem.
Minha primeira providência foi pedir ajuda de colegas na tradução da matéria da New Yorker, já que meu inglês nunca deu nem para o gasto. E lá fui eu, sem muita ideia do que poderia render o assunto, atrás dos amigos do Pedreira em Brasília. Naquela época, governo Geisel, as pessoas ainda tinham muito medo de falar com desconhecidos, ainda mais jornalistas. As primeiras conversas não renderam muito, mas me apresentaram a uma palavra-chave – mordomia, uma rubrica do Diário Oficial,que especificava a relação de comes, bebes, cartões de crédito e benfeitorias em geral destinadas aos ministros e altos funcionários.
Com base nestas dicas, preparei um roteiro da reportagem, que deixei primeiro na sucursal de Brasília do jornal e depois foi enviada a toda a rede de correspondentes do jornal. Era talo sentimento de impunidade, que a minha melhor fonte acabou sendo mesmo o Diário Oficial. Quem me ajudou muito nessa primeira fase do trabalho foram Raul Martins Bastos, chefe da melhor rede de sucursais e correspondentes já criada por um jornal brasileiro, e Hebe Guimarães, repórter em Brasília.
Durante dois meses, repórteres desta rede me mandaram relatórios e, a partir deles, fiz várias viagens pelo país, checando dados, levantando fatos novos. Ao final do trabalho de apuração, juntei dezenas de pastas e fui escrever a matéria em casa.
No final de junho, quando