A Arte o Gesto e a Máquina
Maria Teresa Cruz
Universidade Nova de Lisboa
“Também eu sou pintor” é o enunciado de uma pretensão. Vários foram os pintores que lhe deram voz ao longo da história, e esta ter-lhes-á dado, ou não, uma voz na Pintura.
Durante séculos, a história da Pintura foi-se fazendo como a história dos seus pretendentes. Que existissem pintores, garantiu portanto à Pintura as suas obras e a sua história.
No tempo em que as Academias formavam e reconheciam pintores nada permitia por isso supor que se pudesse falar um dia de um fim da Pintura. Mas, se tal veio a suceder, não foi certamente por terem deixado de existir pintores, pretendentes a pintores ou mestres de pintura. Pelo contrário, foi o fim da Pintura que determinou o fim dos mestres, dos discípulos e das academias de Pintura ou a sua sobrevivência frágil e plena de ambivalências, como a que mantêm ainda, por exemplo, no ensino artístico institucionalizado.
Mas o que é este fim da Pintura, decretado numa aparente displicência pela existência de gerações e gerações de pintores do passado e do presente. Entre ser pintor e a pintura abriu-se uma brecha que nem a academia nem o reconhecimento podiam colmatar. Para os modernos, “ser pintor” não garante a pretensão à Pintura. Na verdade, é
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Ensaio publicado no Catálogo de Pedro Portugal,
“Anchio son’ pittore” (CAM, F. Gulbenkian, Setembro de 1999)
como se a Pintura só pudesse começar depois do fim dos pintores e de tudo o que havia transformado o gesto pictórico em técnica, métier ou ofício. A crise da pintura é, pois, a crise do que une o pintor à pintura.
E o que une pintor e pintura é o gesto. O que está em falha é o gesto de pintar. Independentemente dos contornos metafísicos desta crise, isto é, dos questionamentos mais ou menos centrados sobre a essência da Pintura, a crise da Pintura é, antes de mais, uma crise do gesto de pintar, do seu sentido e do seu porquê. E, enquanto o gesto de pintar se mantém sob questionamento, a pintura