Vicios
Pedro Demo
UnB, 2003.
Aos poucos, está entrando em cena a convicção de que, para o aluno aprender de verdade, precisa pesquisar e elaborar com mão própria. A aula vai ocupando, devagar, seu lugar adequado de pano de fundo, expediente supletivo. Não vai desaparecer, até porque faz parte da vanglória do professor, mas não é imprescindível para a aprendizagem do aluno. Na maioria das vezes atrapalha, porque evita que o aluno construa seu processo de aprendizagem de dentro para fora, ou de modo autopoiético, como diriam Maturana e Varela (1994). Segundo esses autores (Maturana, 2001. Capra, 2002), todo ser vivo possui dinamismo autônomo de dentro para fora, de tal sorte que, ao relacionar-se com o mundo externo, o faz como observador sujeito, não como mero objeto de pressão externa. Não é a realidade que se impõe, mas é o sujeito que a reconstrói, orientado por dois fulcros mais decisivos: o evolucionário, responsável pelo desenvolvimento do equipamento cerebral e que permite a captação da realidade segundo a etapa evolucionária atingida; o cultural, responsável pelos modos históricos de lidar com a realidade, com realce para a linguagem. Maturana possivelmente exagera no “fechamento estrutural” do ser vivo, enquanto Varela (1997), apelando para o conceito de “enação”, equilibra melhor habilidades internas com pressões externas, embora predominem, ao final, habilidades internas reconstrutivas (Demo, 2000; 2002a). Aprendizagem é dinâmica reconstrutiva política (Demo, 2002), voltada para a forja do sujeito capaz de história própria.
A marca mais altissonante do conhecimento é sua potencialidade disruptiva, através da qual o ser humano se rebela e confronta com todos os seus limites, transformando-os em desafios. Esta pretensão facilmente vira soberba incontida: quem sabe pensar geralmente não aprecia que outros também saibam pensar. O mesmo conhecimento que esclarece, ilumina, também imbeciliza, porque é parceiro da censura e do poder.