Uma crônica
Era 1986, e Miguel abria seus olhos lentamente. Sentia que uma rocha o havia esmagado, não conseguindo se sentar. Havia traços de areia e água salgada em sua boca. Sua visão era traiçoeira: ora via duas crianças brincando com uma bola na sua frente, ora via Hugo, seu Beagle, correndo de um lado para o outro. Permaneceu deitado no que parecia ser areia. Após um tempo, sentou-se de frente para o mar. Afastou aqueles devaneios e se situou. Sua noite de ano novo foi agitada. Atrás dele, havia uma moça deitada sobre um paletó. Ao contrário do que provavelmente ocorreu com ele durante a noite, a mulher parecia não ter sido atacada pelo mar. Jovem e bonita, ela havia se tornado o ponto de partida de seus questionamentos. Que diacho de passagem de ano teve para se encontrar naquela situação? Por que não se lembrava de nada? Buscou em seus bolsos algo que lhe pudesse trazer reminiscências da noite anterior. Encontrou uma nota molhada de 100 cruzados, um embrulho de sonho de valsa e uma rolha de um vinho na qual estava escrito “Carlos Aida, Santiago, Chile, Maio 1982”. Riu diante daqueles achados tão peculiares. Nada lhe trouxe resposta, então procurou saber em que praia de Fernando de Noronha estava. Após andar uma distância significativa, resolveu voltar. Por mais que se esforçasse, não reconheceu nada daquela área. As palmeiras, a areia e a água do mar pareciam ser completamente diferentes. Não se encaixavam no cenário encontrado quando chegou ao hotel pela primeira vez. Provavelmente a tal moça adormecida poderia lhe dar respostas quando estivesse acordada. Sentou ao seu lado. Enquanto esperava o momento em que ela acordasse de seu sono, se concentrou em uma concha suja de areia que estava entre os seus pés. Nunca imaginara que em seus 21 anos de vida pudesse se deparar com um cenário tão desconcertante. Olhou ao redor e notou duas garrafas de vinho, uma de Tamaya meio cheia e a outra de vinho chileno vazia. Concluiu que sua amnésia foi