ulisses
O mito é o nada que é tudo. (a)
O mesmo sol que abre os céus (b)
É um mito brilhante e mudo – (a)
O corpo morto de Deus, (b)
Vivo e desnudo. (a)
Este, que aqui aportou, (c)
Foi por não ser existindo. (d)
Sem existir nos bastou. (c)
Por não ter vindo foi vindo (d)
E nos criou. (c)
Assim a lenda se escorre (e)
A entrar na realidade, (f)
E a fecundá-la decorre, (e)
Em baixo, a vida, metade (f)
De nada, morre. (e)
Análise e interpretação do poema
Este poema insere-se na primeira parte da Mensagem (o Brasão). Dentro desta parte, o poema integra-se nos Castelos.
O título “Ulisses” remete-nos para a origem de Portugal como se devendo a Ulisses, navegador errante, que depois da guerra de Tróia, teria aportado em Lisboa, fundando a Olissipo, futura Lisboa. Portanto, a origem estaria e está, num mito, sendo Ulisses o primeiro herói a entrar na obra a Mensagem.
O poema é constituído por três estrofes, quintilhas (cinco versos). A rima predominante é a cruzada, seguindo o esquema rimático ababa / cdcdc / efefe.
Na primeira estrofe “O mito é o nada que é tudo.”, o mito é definido por Fernando Pessoa como o nada, uma vez que, dadas as suas vivênvias ao longo da vida, não possui consistência, nem fundamento, mas que, apesar disso é tudo, pois possui relevância e aceitação. O mito é algo que oculta a verdade, mas que também contribui para a sua revelação. Esta definição é concretizada nos quatro versos seguintes.
O mito surge como um sol que abre os céus (sentido conotativo de céus apontando para perspetivas brilhantes e ideias de heroicidade) e como um Deus, que, parecendo morto, se revela aos homens como vivo (perífrase de Cristo crucificado).
Nestas duas expressões metafóricas podem verificar-se duas características do mito: a sua irrealidade e o seu dinamismo. Havendo ainda, nesta última expressão, a personificação.
Estes dois mitos têm um valor simbólico muito importante. O Sol renasce todos os dias, enquanto Cristo ressuscita.