Tupinambás
Resumo
O processo de ocupação do território americano pelos europeus nos séculos XVI e XVII significou não apenas a submissão ou a expulsão dos índios, mas também a destruição de formas específicas de territorialização, incompatíveis com a empresa colonial. Este texto busca contribuir para a compreensão de como os índios Tupi da costa brasileira construíam uma idéia de território, em termos muito diferentes daqueles operados pelos europeus. O foco específico são as formas de relacionamento entre os vivos e os mortos, que o texto defende ser uma chave de explicação eficaz para compreender aspectos da territorialidade dos índios. Utiliza-se de fontes do início da
Idade Moderna, que mostram uma mentalidade européia profundamente marcada pela religiosidade, que identificava elementos na cultura dos índios que, por vezes, nossos olhos contemporâneos captam com mais dificuldade. As relações entre vivos e mortos são investigadas no texto a partir de três elementos inter-relacionados: as migrações em busca da imortalidade, a antropofagia e as incisões corporais que registravam os guerreiros mortos em combate.
Introdução
Vistas pelas lentes contemporâneas da alteridade, do respeito às especificidades culturais, as fontes sobre os índios nos dois séculos após a conquista revelam limites, preconceitos e dogmas, fundamentando a impressão da impossibilidade total de acesso àquele universo. Por outro lado, a mentalidade européia profundamente marcada pela religiosidade da Alta Idade Moderna – tanto em sua vertente humanista quanto a contra-reformista, olhares católicos assim como protestantes
– identificava elementos que, por vezes, nossos olhos contemporâneos captam com mais dificuldade. Segundo Hèlene Clastres, os cronistas do século XVI tinham mais sensibilidade para as especificidades religiosas dos índios do que nosso mundo laico originado