Trabalho
DEBAIXO DO TAPETE
João Pablo Trabuco1
- Eu quero um beijo!
E milhares de fotografias em tons de sépia invadiam a mente empoeirada da linda moça de cabelos castanhos. Lana era de uma covardia ingênua, como se a todo instante esbofeteassem sua cara, e ela sorria timidamente porque já conhecia a dor: não tinha do que reclamar. Recordava-se com altivez o primeiro momento de amor com o seu homem, regozijava-se, plena de um passado feliz, ainda que diante de tamanha desgraça.
Sentada naquela sala escura, sozinha, parecia mesmo que se interessava financeiramente pelo corpo enegrecido que estava deitado na cama de madeira oca. Ela ria daquela objeção, o pensamento sórdido, o que todos pensavam, e ninguém jamais dizia: ela queria o dinheiro do velho.
Mas o corpo já estava podre! E novamente Lana ria como se alguém pudesse ouvir o sarcasmo daquela frase vulgar e infante.
Ela tinha dezesseis quando o senhor de longa barba branca a abordou no meio de uma multidão na feira de frutas. A princípio Lana se sentiu enojada, olhou de soslaio para o homem de terno, quase cuspiu nele, mas as palavras sutis que lhe foram proferidas amenizaram completamente o furor juvenil da moça. Passados alguns minutos, a raiva inicial se transformou numa admiração patética, como se a diferença de idade significasse um estado de graça alcançado por quem conseguisse sobreviver.
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Aluno do Curso de Direito da Faculdade Ruy Barbosa, estagiário da Revista Eletrônica Orlando Gomes. Email: pablotrabuco@hotmail.com
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Revista Eletrônica Orlando Gomes, v.01, n.01, p.188‐192, Jul./Dez. 2014
Ainda no primeiro encontro, quando ela aceitou se sentar para tomar um café com o “vovô” que acabara de conhecer, pediu que retirasse imediatamente os óculos escuros. Ele o fez prontamente. De certo modo a jovem também se sentiu encantada quando observou que os olhos azuis do seu novo amigo se expressavam com