TEXTO BREVE SOBRE DESISTIR
Que não é fácil escrever, todos os que escrevem sabem. Há muitos que escrevem e não sabem disso, mas façamos de conta que eles não existem (que país higiénico teríamos!). Não vou dizer nomes, obviamente: mas lembro-me, de repente, do Peixoto, que escreve tão bem como fala, do Tavares das metáforas idiotas (refiro-me a Gonçalo M; o filho de Sophia só conheço como comentador da vida político-futebolística) ou do Tordo, que é uma espécie de chinelos do chinês. Todos ganham prémios e escrevem à bruta, e ainda bem para eles, mas quanto a esses façamos questão de fingir que não existem e que por isso a minha primeira frase não se aplica a eles. Aliás, faço um mea culpa, confesso que nunca li nada do que publicaram até ao fim, apenas aguentei, no máximo, 20 páginas, um erro meu, obviamente, mas defendo-me com Schopenhauer:«o que dizem ultrapassa o meu fraco entendimento:talvez tenham qualidade, mas não consigo compreendê-la e renuncio assim a qualquer juízo».
Voltando atrás, há depois uma outra dificuldade acrescida, que tem a ver com o que se pode ou não escrever porque outros hão-de ler isto, uns por curiosidade, outros por gosto, e outros ainda por desgosto, mas entre todos esses há muitos que me conhecem e que podem associar a isto ou aquilo. E assim, aviso que este texto que ainda não começou – isto é apenas o prefácio – pode ter quatro interpretações diferentes, três delas têm a ver com a minha vida pessoal (ou profissional, mas a minha vida pessoal confunde-se com a profissional), e apenas uma terá a ver com uma interpretação metafísica. Serei suficientemente ambíguo e, no final, apenas eu saberei sobre o que escrevi, e ainda que todos tenham uma diferente perspectiva, duas perguntas cairão sobre as vossas cabeças: quem tem razão? O que é que ele quis dizer realmente com aquilo?
– Apaga o que acabaste de escrever.