"Teu povo será meu povo"
A amizade fraterna: caminho de superação dos limites das religiões e das culturas no livro de Rute
Paulo F. Valério
Introdução
A discussão em torno de temas tais quais religião e cultura já encheu muitos celeiros bibliotecais (e certamente ainda há muito o que cultivar), atiçada por questões acerca da possibilidade ou impossibilidade de diálogo entre culturas, entre religiões e destas com aquelas e vice-versa.
Ao que parece, seja nas culturas, seja nas religiões, existem núcleos irredutíveis, idiossincrasias inalienáveis e inabdicáveis, pontos para além dos quais não se ousa ir.
Nesta reflexão acerca do livro de Rute, julgamos poder afirmar que o texto aponta alguns elementos que ajudam a superar os limites das culturas e das religiões pela sua universalidade e inerência a todas as pessoas.
Trata-se, numa primeira instância, de necessidades vitais e de situações existenciais a que toda pessoa humana está sujeita: o abandono da própria terra para viver como estrangeiro (ger)1 alhures, a fome, a sede, a doença, a morte, a perda, a solidão e o sofrimento que tudo isso comporta. Estas e outras tantas vicissitudes não levam em conta nem a cultura nem a religião, elevadas ou menos.2 Elas simplesmente nos irmanam em nossa humanidade, não importa a que cultura ou religião pertençamos: tocados assim pela vida, é possível que
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Justamente a fome é que leva a família belemita a viver como estrangeira em outro lugar: “… houve uma forme no país e um homem… foi morar (gûr, ‘residir como estrangeiro’) nos Campos de Moab” (Rt 1,1).
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Confira-se, por exemplo, o ditado: “Necessidade desconhece lei”. Desconhece ‘religião’ também, como o atestam, nos evangelhos, os exemplos de violação de preceitos sagrados por causa da necessidade das pessoas (cf. Mt 12,1-8.9-14; Lc 13,10-17; 14,1-6; Jo 5,1-18; 7,19.24; Jo 9).
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cheguemos a entender-nos, falando a mesma linguagem, mesmo que em