Tenório - Miguel Torga
FRENTE À SELEÇÃO “NATURAL” E AO CICLO INEXORÁVEL DA VIDA
João Gabriel F. A. Neves
São dez bichos que encontramos nas breves páginas do pequeno volume que se lê em poucas horas, mas que não se esquece mais. Porque o livro é marcado pela diversidade de tipo – permita-se que diga humanos – e de situações; porque a concisão do discurso não dispensa os momentos de distensão por vezes lírica, em que nos comprazemos com a notação de uma paisagem, de uma reflexão, de uma expansão de alegria, de dúvida, de dor, de amarga decepção. (BERARDINELLI: 1996, 2-3).
Num dos contos publicados no livro Bichos, do consagrado escritor português Miguel Torga, o galo Tenório (protagonista do conto homônimo), assim como a maioria dos animais das histórias que compõem esse livro, tem características humanas. O que se pretende neste ensaio, portanto, não é reafirmar essa personificação evidente, mas observar como ela é construída e se relaciona com temáticas de relevo no texto, como o ciclo inexorável da vida e a seleção “natural” por qual passa o galo, sem se distanciar do perfil interiorano no qual o conto é desenvolvido. O primeiro sinal de humanização do galo é cronológico, já que ele possui data e hora de nascimento: “em doze de janeiro, pelas três da tarde, quando a velhota o viu sair da casca” (T,69). Esse momento, observado com otimismo por Maria Puga, sua dona, delimita o início do ciclo de vida dessa ave, que será marcada por sucesso, fracasso e incertezas ao longo da sua existência, assim como acontece com os humanos. O olhar da dona, dispensado a Tenório e seus irmãos no decorrer da narrativa, representa um dos princípios da seletividade utilizados pelo homem para realizar uma determinada escolha, tendo como parâmetro, no caso em questão, os traços físicos e os aspectos salutares do indivíduo escolhido. Os excluídos não têm vez, e Maria Puga vai percebendo isso no decorrer das linhas do texto: “Frangos também, mas fracos. Mal viam