SOCIOLOGIA E SAÚDE
Saúde e Doença no Início do Século XXI: Entre a
Experiência Privada e a Esfera Pública1
CLAUDINE HERZLICH2
RESUMO
Sabe-se que a doença é ao mesmo tempo a mais individual e a mais social das coisas e que ela pertence simultaneamente ao domínio privado e ao espaço público. Este artigo interroga a maneira pela qual as Ciências Sociais analisam a experiência privada e pessoal da doença, cujo impacto no espaço público foi por elas discutido.
Palavras-chave: Experiência da doença; narrativa; indivíduo; sociedade; sociologia da saúde; saúde coletiva.
PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 14(2):383- 394, 2004
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Claudine Herzlich
Segundo o antropólogo francês Marc Augé (1984), “o grande paradoxo da experiência da doença é que ela é tanto a mais individual quanto a mais social das coisas”. É também difícil discernir se saúde e doença pertencem ao domínio privado ou ao público. Os laços entre esses dois domínios não são imutáveis e, no campo da saúde e da doença, passaram por transformações freqüentes. No entanto, o corpo ainda pertence ao domínio privado. Embora a era em que as tradições religiosas faziam do corpo um tabu seja agora um passado distante, as sensações do corpo são ainda assuntos da intimidade, envolvendo até mesmo sigilo e rituais individuais cotidianos. Prestar atenção a estados corporais é uma atividade que diz respeito a relacionamentos fundamentais: é a família que ainda está profundamente implicada na preservação da saúde e em seus cuidados. Além disso, a saúde e a doença afetam vários aspectos da vida privada, em especial o amor e a sexualidade.
Sobre a epidemia de Aids na África, van Nieberk (2002) afirmou que um dos seus efeitos foi “a brutalização da própria intimidade”. Em sociedades com condições de vida precárias, a sexualidade continua a ser
“uma das poucas avenidas de intimidade e de um concomitante senso de valor próprio e