Scielo Violencia Escolar
Máscaras, jovens e “escolas do diabo”*
José Machado Pais
Universidade de Lisboa, Instituto de Ciências Sociais
Alguns colegas meus, cujo ar circunspecto os distingue, manifestaram-me seu espanto por, em período de Carnaval, ter ousado ir para uma sala de aula com uma máscara de papelão colada à cara.1 Acharam o comportamento insólito. Na verdade, era uma aula sobre Goffman. Esbocei um sorriso irónico, pensando nas máscaras que se servem de um ar circunspecto para melhor representarem. Não há melhor representação do que aquela que é simulada com a maior das naturalidades. O “eu social”, actuado em diferentes cenários da vida cotidiana, recorre frequentemente aos artifícios da representação, a máscaras mais ou menos dissimuladas que garantam uma boa actuação nos relacionamentos cotidianos (Goffman, 1993).
Um dos desafios da sociologia é desmascarar as actuações cotidianas, procurando descobrir o que elas revelam a partir do que ocultam. Se a realidade nos aparece mascarada é sensato não desprezar suas más-
* Foi mantida a ortografia de Portugal.
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caras, embora seja certo que elas, como os mitos, não podem explicar-se por si só, como nos ensinou LéviStrauss (1979). Para desvendar o que as máscaras ocultam é necessário decifrar os seus enigmas (Pais, 2003).
De que forma? Pesquisando os usos que se fazem das máscaras. É esse o desafio que lanço, tomando como referenciais empíricos diferentes cenários de actuação das máscaras, a começar pelos actos de nomeação que mascaram a realidade a partir do momento em que a nomeiam. Darei também atenção às máscaras que caracterizam os estilos juvenis, tentando vislumbrar as tramas de significado que esses estilos escondem. Finalmente, questiono a existência das máscaras no cenário de escolas que me foram retratadas como “escolas do diabo”. Neste caso, a hipótese que lanço à discussão sugere que a violência protagonizada por alguns jovens nessas escolas é também uma máscara, dado ocultar