Rh talento ou vocação
Está fazendo dez anos. Foi em março de 1998 que eu cheguei a São Paulo, vindo do Sul, com uma passagem rápida pelos Estados Unidos. O futuro parecia incerto, mas eu não tinha dúvidas quanto à decisão, ainda que não contasse com o apoio da maioria das pessoas próximas: não queria mais seguir com a carreira de médico, queria ser professor. A pergunta que todos faziam era: como alguém com mais de 40 poderia mudar de rumo assim, de maneira tão drástica, tão de repente, sem deixar espaço para discussão? O que as pessoas não sabiam era que esse processo não era novo, já tinha alguns anos.
O que estava acontecendo comigo era uma história que só não acontece com maior freqüência, com mais pessoas, por falta de percepção, de coragem ou de oportunidade. Percepção de que você está trabalhando em algo que não lhe dá prazer; coragem para chutar o balde e encarar o desafio de mudar de área; oportunidade para recomeçar, entrando em um mundo novo, desconhecido, através de portas que se abrem ¿ acredite, elas sempre se abrem.
O processo não foi instantâneo como café solúvel. Começou a se instalar lentamente, como um ponto de ferrugem no pára-choque de um carro mal cuidado, que vai crescendo e se alastrando. Num dia eu não queria levantar da cama para ir trabalhar; em outro eu me dava conta de que não estava mais estudando, não me interessava por temas novos de minha profissão. Me pegava olhando para as paredes do consultório em momentos de solidão, como se buscasse nelas uma resposta para minha tristeza. Estava diante de um caso grave de falta de vocação, cujo diagnóstico não é assim tão simples e cujo tratamento é amargo e dói.
É penoso formar-se médico, e é ainda mais difícil engrenar na carreira, talvez por isso a decisão tenha sido dura. Mas ela terminou por vir, felizmente. Acho a ciência médica belíssima e admiro os médicos, mas eu não tinha afinidade com a profissão; eu gostava mesmo era de ser professor. Podia até conduzir com competência uma