Resumo o cortiço

XVII Por esse tempo, o amigo de Bertoleza, notando que o velho Libório, depois de escapar de morrer na confusão do incêndio, fugia agoniado para o seu esconderijo, seguiu-se com disfarce e observou que o miserável, mal deu a luz à candeia, começou a tirar ofegante alguma coisa do seu colchão imundo. João Romão apareceu, e ele, assim que o viu, redobrou de aflição e torceu-se todo sobre as garrafas, defendendo-as com o corpo inteiro, a olhar aterrado e de esguelha para o seu interventor, como se dera cara a cara com um bandido. Duas vezes tentou erguer-se; duas vezes rolou por terra moribundo. João Romão objurgou-lhe que qualquer demora ali seria morte certa: o incêndio avançava. Quis ajudá-la a carregar o fardo. Libório, por única resposta, arregaçou os beiços, mostrando as gengivas sem dentes e tentando morder a mão que o vendeiro estendia já sobre as garrafas. O tratante fugiu de carreira, abraçado à sua presa, enquanto o velho, sem conseguir pôr-se de pé, rastreava na pista dele, dificultosamente, estrangulado de desespero senil, já sem fala, rosnando uns vagidos de morte, os olhos turvos, todo ele roxo, os dedos enricados como unhas de abutre ferido. Verificou que as garrafas eram oito e estavam cheias até à boca de notas de todos os valores, que aí foram metidas, uma a uma, depois de cuidadosamente enroladas e dobradas à moda de bilhetes de Rifa. Receoso, porém, de que a crioula não estivesse bem adormecida e desse pela coisa, João Romão resolveu adiar a contagem do dinheiro e guardou o tesouro noutro lugar mais seguro. Em todo caso, rematou ele, guardando o dinheiro bom e mau e dispondo-se a descansar; isto já serve para principiar as obras! Deixem estar, que daqui a dias eu lhes mostrarei para quanto presto! XIX As obras se iniciam a todo vapor. Miranda e Botelho