Resenha de gastos com moda
A coluna escrita por Lenio Luiz Streck refere-se ao episódio da autorização da ministra da Cultura, Marta Suplicy, passando por cima de seu órgão técnico que a negara, para que dois ricos estilistas brasileiros usem incentivos fiscais (mais de R$ 7 milhões) para fazerem desfiles de moda na França. Não há palavras para isso. E não há comparativos. Enquanto a malta (não a Marta) toma soro em pé, se esfalfela em apertados ônibus etc., etc., damo-nos ao luxo de gastar dinheiro público para essas excentricidades para ricos e frequentadores de colunas sociais.
A questão dos estilistas é um mero exemplo, com grande força simbólica, diga-se, até mesmo inusitado. Não há dúvidas de que os incentivos fiscais da Lei Rouanet são constitucionalmente aberrantes, e os exemplos citados também dão mostras dessa absurda incoerência.
Não tenho dúvidas de que os incentivos fiscais da Lei Rouanet são frontalmente opostos aos objetivos fundamentais da nossa República, conforme o disposto no artigo 3º da nossa Constituição. É preciso entender que o direito à cultura expresso no texto constitucional significa, antes de tudo, a garantia de toda a população aos bens culturais. O dever dos governos é garantir esse acesso aos indivíduos que não tem condições econômicas para isso, em vez de patrocinar eventos que são feitos para um público de classe média, ou, quase sempre, classe média-alta.
Deveríamos exigir investimentos em cultura nas escolas públicas, com a ampla e diversificada prática de atividades culturais por crianças e jovens, pois assim esse acesso aos bens culturais seria efetivamente democratizado. Mas, como não estão realmente preocupados em democratizar o direito à cultura, tem-se optado por essa aberração chamada Lei Rouanet. E pra disfarçar um pouco essa injustiça, inventaram o vale-cultura. Enfim, quanta hipocrisia.