República, Participação e Democracia
Cícero Araújo
Há muitos modos de expor o conceito de república. Um deles, mais abrangente – e talvez, também, mais superficial, é explorar diferentes dimensões de um mesmo complexo, e então discutir seus entrelaçamentos.
I- Dimensões da república
Há muitos modos de expor o conceito de república. Um deles, mais abrangente – e talvez, também, mais superficial –, é explorar diferentes dimensões de um mesmo complexo, e então discutir seus entrelaçamentos. Vamos fazer essa opção, discutindo três dimensões: a) a república como regime da liberdade; b) a república como império da lei; e c) a república como regime da participação. Entenda-se “regime” como um termo mais amplo do que o governo ou as instituições formais de decisão e gestão – o regime é o ideal e a prática de uma boa ordem política, essa última levando em conta não só procedimentos, mas certa expectativa na qualidade das relações entre governantes e governados, instituições e cidadãos. Voltaremos a falar sobre isso adiante.
Naturalmente, a última dimensão é a que vai mais interessar neste espaço. Contudo, a riqueza de seu significado, e os problemas de sua maior ou menor afinidade com a questão democrática – o tópico final deste artigo –, aparecem mais claramente se considerarmos as outras duas. Do ponto de vista da república, somos inclinados a pensar, com base na ênfase da tradição nesse tópico, que o regime da liberdade é o ideal que rege todos os demais e, portanto, é quase obrigatório começar por ele.
A obsessão com o tema da liberdade é um dos traços mais peculiares do republicanismo e talvez sua maior contribuição ao pensamento político moderno. Histórica e culturamente, esse tema parte da distinção, que vem da Antiguidade Clássica, entre a condição do homem livre e a do escravo (cf. Pitkin, 1978, p.530ss). Na verdade, essa distinção não é o reflexo direto da estrutura social em que floresceu o republicanismo moderno, pois o escravismo propriamente