Reflexoes Sobre A Reforma Psiquiatrica
POR
MANICÔMIOS
PAULO AMARANTE
A LUTA ANTIMANICOMIAL, O
MAIS IMPORTANTE MOVIMENTO
PELA REFORMA PSIQUIÁTRICA NO
BRASIL, TEVE INÍCIO DURANTE
O REGIME MILITAR E AINDA
ENFRENTA DESAFIOS
© THE BRIDGEMAN ART LIBRARY/KEYSTONE
S
30
MENTE&CÉREBRO
SETEMBRO 2006
WWW.MENTECEREBRO.COM.BR
empre que algum aluno me pergunta o que deve ler para começar a compreender a questão da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica, indico sem pestanejar
“O alienista”, de Machado de Assis, conto publicado sob forma de folhetim entre 1881 e 1882. Machado foi, sem sombra de dúvida, o pioneiro na crítica ao saber e às instituições psiquiátricas no Brasil (e talvez no mundo − “Enfermaria no 6”, de Anton Tchekhov, é de 1892). Nesse conto clássico, Machado antecipou todas as críticas ao paradigma psiquiátrico que anos depois seriam aprofundadas por autores como Michel Foucault,
Franco Basaglia, Erving Goffman, Ronald Laing, David Cooper, entre outros.
É realmente impressionante a sagacidade do autor, a forma como ele apreende o processo de constituição da psiquiatria e como identifica e destaca seus pontos mais frágeis e seus dispositivos de poder. Primeiro quando se refere à necessidade de criação do hospício como uma demanda externa, artificial, vinda de um cientista recém-chegado da Europa: “A vereança de Itaguaí, entre outros pecados de que é argüida pelos cronistas, tinha o de não fazer caso dos dementes”, diz Simão Bacamarte, protagonista da história. Depois quando evoca o princípio universal de internar todos os loucos em um único espaço, pois só aí seria possível pesquisar e identificar todos os tipos de loucura. Sem falar na idéia segundo a qual a loucura seria a ausência da razão:
“Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr.
Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só