Redação sobre Ditadura
- Moro sim, moça. – respondi.
- Há quanto tempo?
- Nem me lembro.
- Então a senhora lembra os moradores daquela casa ali?
- Qual dos? Já tiveram muitos.
- Catarina Helena e João Antônio ABI-EÇAB. A senhora se lembra?
Senti um arrepio. Pedi para que nós no sentássemos.
- Conheci. Lembro – me como se fosse hoje o dia que aquele amontoado de fusca preto veio pra nossa vizinhança, fazendo um barulho infernal, revistando a casa vizinha inteira, sem dó alguma. Eles tinham partido, na madrugada do mesmo dia, em um corcel amarelo.
- A senhora pode me contar mais? – ia dizer que não. Pra quê relembrar memórias do estilo que a gente se esforça muito pra esquecer sabe? Já bastava ver aquela casa todo santo dia. Mas, aquela menina de cabelo preto, não tinha vindo pra cá à toa. E eu sabia disso. Algo nela, me remetia algo, que eu não sabia exatamente o quê, mas ansiava pra descobrir.
- Eles se mudaram pra cá em abril de 68. Ótimos vizinhos. Adoravam música. Mas da boa, sabe? Recordo-me da festa de casamento. Meio de maio. Nunca vi casal tão apaixonado. A comida era pouca e a bebida, simples. Mas nada disso importava. A felicidade dos dois era visível e até sentida por cada convidado que era claramente especial pros recém-casados. – a menina se sentou, parecia abatida. Continuei. – Em agosto, as coisas mudaram totalmente. Eles mal saíam, recebiam poucas visitas. A casa que era sempre aberta se fechou aos poucos, até se encarcerar por completo. Nunca mais os vi. Em uma noite de novembro, escutei gritos e uma movimentação bem estranha lá dentro. No dia seguinte, o vizinho disse que alguém havia deixado um bebê na porta dele e ele não sabia o que fazer. De coração partido, a vizinhança inteira, levou pra orfanato. Ninguém poderia manter aquele bebê, por mais que quiséssemos e por mais que tentássemos, não tínhamos base para isso.
Na madrugada do dia 19 de novembro, o casal saiu às pressas, com um pão e uma maleta de couro na mão e nada mais.