Raymundo Faoro
Raymundo Faoro é referência obrigatória para quem quiser entender o significado do patrimonialismo na evolução sociopolítica do Brasil. Não foi o único autor que se dedicou ao tema, mas terá sido um dos poucos, ao lado de Sérgio Buarque de Holanda, que, ao analisar nossa história, não se deixou enredar na mística gerada pelo próprio Estado: a de que ele seria a melhor, se não a única, mola na formação nacional. Que se trata de mola fundamental, disso há pouca discordância; que não foi a única é opinião que os mais exaltados defensores do predomínio estatal custam a reconhecer.
Mas que, independentemente de sua importância, o Estado não seria “bom em si mesmo” é mais raro de ver entre analistas do que se costuma chamar de a formação do Brasil”. Tão abrangente e persistente foram os efeitos da ideologia patrimonialista e tão vital foi o papel do Estado na sociedade brasileira que é difícil manter o olhar crítico. Esta talvez seja a maior virtude de Raymundo Faoro: sua persistência na crença democrática e em compreender a importância do liberalismo como contraponto ao roldão que o culto ao Estado representa entre nós. Isso, diga-se, na pena de alguém que soube desvendar a importância efetiva que a burocracia e o Estado jogaram desde a época da Monarquia portuguesa até aos dias republicanos atuais e que, a meu ver, chegou a exagerar o peso e a persistência do que ele chama de “estamento burocrático” na vida brasileira.
Na reedição revista e ampliada de Os donos do poder, publicada em 1975, rendendo-se embora às evidências do papel crescente do Estado, reforçado no período Vargas e mais ainda pelo autoritarismo militar vigente na época em que escreveu a revisão, Faoro continuou valorizando as pressões democratizadoras vindas da base da sociedade como contraponto à realidade patrimonialista.
Reconhece o predomínio desta, quase elege o “estamento burocrático” em motor da história brasileira, mas não o desvincula do jogo