Projeto Gentileza
Leonardo Boff
Blaise Pascal (1623-1662), gênio da matemática, inventor da máquina de calcular, filósofo e místico, percebeu, de golpe, a grande contradição dos tempos modernos que acabavam de se firmar: a desarticulação entre dois princípios que ele chamou de esprit de géométrie e esprit de finesse. Espírito de geometria representa a razão calculatória, instrumental-analítica, que se ocupa das coisas, numa palavra, a ciência moderna que com seu poder mudou a face da Terra. Espírito de finura que nós traduzimos por espírito de gentileza representa a razão cordial - logique du coeur (a lógica do coração) segundo Pascal - que tem a ver com as pessoas e as relações sociais, numa palavra, com outro tipo de ciência que cuida da subjetividade, do sentido da vida, da espiritualidade e da qualidade das relações humanas.
Ambas as razões são necessárias para darmos conta da existência. Que faríamos hoje sem a ciência? Que seríamos sem a ética, os caminhos espirituais e a psicologia? O drama da modernidade consiste na desarticulação destas duas razões imprescindíveis. De início, se combateram mutuamente, depois, marcharam paralelas e hoje, buscam convergências na diversidade, no esforço, ainda que tardio, de salvar o ser humano e a integridade da natureza. O fato é que o espírito de geometria foi inflacionado; com ele criamos o mundo dos artefatos, bons e perversos, desde a geladeira até a bomba atômica. O espírito de gentileza nunca ganhou centralidade, por isso somos tão vazios e violentos. Hoje ele é urgente. Ou seremos gentis e cuidantes ou nos entredevoraremos.
Por que escrevo tudo isso? Por causa da violência do Rio de Janeiro. Esta cidade foi uma das mais ridentes da Terra. O esplendor da natureza havia celebrado um casamento feliz com a cordialidade das pessoas. Perdemos a cordialidade e a natureza não é mais a mesma. Ela está lá mas não nos dá mais alegria porque nossos olhos se turvaram pelo quadro da violência e o nosso coração dispara de