Professora
DA PEREGRINAÇÃO À HISTÓRIA TRÁGICO-MARÍTIMA
Márcia Vieira Maia (UFRJ)
“Agora brevemente lhe contarei o que depois passámos, não lhe escrevendo, todavia, o que passámos de cem partes uma, pois que para escrever tudo era necessário que o mar fosse tinta e o céu papel.”[1]
Fernão Mendes Pinto
“Morte é um sonho eterno, um espanto de ricos, um apartamento de amigos, uma incerta peregrinação, um ladrão do homem, um fim dos que vivem, e um princípio dos que morrem.”[2]
Diogo do Couto
Considerando-se a narrativa de viagens do século XVI um gênero entre a História e a Literatura, nela a questão da verdade é intrínseca ao conjunto de valores que caracterizam a época dos descobrimentos. Nos episódios que compõem a História Trágico-Marítima, a exatidão factual, não podendo estar sempre baseada em testemunhos diretos de seus múltiplos autores, contudo revela-se pela preocupação de atribuir às fontes documentais ou humanas um caráter idôneo capaz de tornar inquestionável a autenticidade dos relatos. Destaquemos dois exemplos dessa estratégia: na “Descrição da cidade de Columbo”, Manuel Barradas afirma “referirei um caso, que referiu muitas vezes um padre nosso de muita virtude e religião” (HTM, p.210); no “Tratado das batalhas do galeão São Tiago e da nau Chagas”, Melchior Amaral diz “além das informações, que tomei particularmente por pessoas de crédito, de que tirei o que tenho escrito, achei uma certidão [...] a qual enxeri aqui” (HTM, p.768). Já na Peregrinação, obra elaborada sobre um discurso autobiográfico, é a experiência do próprio viajante que dá veracidade à sua narrativa, na qual a visão constitui a fonte de um conhecimento empírico que legitima a autoridade de quem escreve. Ao insistir na brevidade e concisão, Mendes Pinto declara que deixará “de contar muitas coisas”, por acreditar que as maravilhas que o deslumbraram poderiam