Preconceito, geografia e multidisciplinaridade
Há cerca de dois anos iniciei uma pesquisa sobre territorialização indígena e as relações do Estado com esses povos no Brasil. Era uma pesquisa estranha: aluno de Geografia, orientador antropólogo e método da hermenêutica. Típico trabalho no qual você se depara com a pergunta que vejo ser das mais freqüentes entre alunos que começam a fazer pesquisa em seu campo: “Mas o quê realmente tem de Geografia aqui?”. Espero que a minha experiência de descoberta do “onde” estava a Geografia seja útil praqueles que passam por isso, e pretendo também compartilhar algumas reflexões que julgo ser de interesse da Geografia nas linhas que seguem. Antes de tudo, o trabalho. Em suma, tratava de uma disputa jurídica (Ação Popular nº 3.388) acerca da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (TIRSS), em Roraima; disputa que envolvia diferentes grupos de interesses, delineando duas posições bastante claras: uma que buscava contestar o modelo demarcatório contínuo reconhecido pelo Estado, propondo a redução da área da TIRSS, fragmentando-a em áreas menores e desarticuladas; e, de outro, uma que buscava reafirmar as configurações legitimadas pelo Estado quando da homologação da TIRSS (abril de 2005). Dentro disso, trabalhavam-se os discursos contrários à manutenção da área demarcada, identificando como eles produziam imagens para os grupos indígenas locais; até então, algo que parecia um trabalho muito mais antropológico do que geográfico. Os resultados foram surgindo. Índios que não eram mais índios, por falarem português e se vestirem de maneira “normal”; índios cujos interesses ameaçavam a economia de Roraima ou os interesses “verdadeiramente nacionais”; índios subversivos, traidores da nação, que por baixo dos panos buscavam se separar do território brasileiro; ou mesmo índios que queriam voltar a ser “primitivos”, só por defenderem a manutenção de seu território étnico. A questão de que todas essas versões de “índios” eram feitas por