Por uma nova concepção de universal
Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 12, n. 4, p. 650-661, dezembro 2009
Por uma nova concepção de universal*
Oswaldo França Neto
650
A civilização ocidental baseia-se na concepção de um universal que faça corpo único de todos os elementos, o que só se mostrou possível por meio da produção de restos inassimiláveis, e a consequente tentativa de eliminá-los por meio de perseguições ou terror. Fazendo uso do objeto a de Lacan, do personagem Bartleby de Melville e de considerações de autores como Viveiros de Castro, Agamben e Badiou, este texto se propõe a explorar outras possíveis formas de se pensar a universalidade.
Palavras-chave: Universal, singular, identificação, resto
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Texto apresentado no III Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e IX Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, Niterói, setembro de 2009.
ARTIGOS
A civilização ocidental, desde seus primórdios, vive a utopia de um universal sem restos. Desde a polis grega, passando pela religião cristã e a república moderna, o ideal do Todo completo, que fizesse da humanidade um corpo único, é a aspiração que mobiliza o Ocidente. Mas o resto insiste. Nos gregos eles se corporificavam nos escravos e nas mulheres; a religião cristã exigiu um sacrifício inaugural, e a existência em separado, como exceção transcendente, de seu criador; e a república moderna se vê o tempo todo às voltas com os excluídos, presentificados, por exemplo, nos imigrantes ilegais e nas favelas de nossas metrópoles. Fukuyama (2003), ao propor o fim da história, baseou-se na concepção de que o capitalismo teria conseguido finalmente fazer Um de toda a civilização. Sob a grife do termo “globalização”, ele teria conseguido sucesso onde a religião teria falhado. Slavoj Zizek (2008a), contrapondo-se ao fim da história de Fukuyama, ressalta o engodo desse universal unificado, evidenciado nos restos por