Pequena Conversa Sobre Tom e Tradução
“ne placidis coeant immitia”
[“para que não se mesclem ferocidades e doçuras”]
Horácio
Homero, que compôs em grego - e ao que se sabe jamais traduziu, ou segundo certa hipótese, sequer escreveu1 - foi, não obstante, também o primeiro grande tradutor do Ocidente. Do fato, nos dá testemunho o pseudo-Longino. O autor Do Sublime, à certa altura, nos diz que, na Ilíada, o bardo cego fez aos homens parecerem deuses e vice-versa. Ou seja, Longino entende a tarefa de Homero como uma sorte de tradução: do comportamento divino, no humano; do comportamento humano, no divino: “fez dos homens que foram à Tróia, à medida que pôde, deuses, e dos deuses fez homens. Mas a nós, na infelicidade, resta um refúgio a nossos males; é a morte; enquanto os deuses, não foi tanto sua natureza quanto sua miséria que Homero fez eterna”.2
Essa miséria eterna também é a do tradutor. E, em especial, a do tradutor de poesia. Ou seja, aquele que se propõem uma tarefa já, de antemão e renovadamente, maldita: reproduzir em outro idioma os ecos do indizível.
A questão da tradução está na ordem do dia. E a questão da tradução de poesia em seu centro mais hermético. Ela está sucessivamente posta, por diferentes prismas, na obra dos principais filósofos do século que recém-expirou. De Heiddeger a Benjamin, de Wittgenstein a Derrida, todos se debruçaram sobre a questão. E naturalmente esses debruços projetaram, desde as luzes, sombras de diferentes intensidades e matizes sob o pano e do teatro-chinês da tradução.
No seu corpo-a-corpo com a tradição metafísica, Heiddeger chega ao paroxismo de propor todo o pensamento gestado no Ocidente nos últimos dois milênios como uma má tradução de conceitos do grego pré-clássico para o latim. Uma tal que adstringiu-lhe seiva, ressecou-lhe vigor. Algo que já estava prenunciado em Nietzsche. Ainda nessa senda seria a língua alemã aquele filtro nobre que mais se adequa à tradução do grego arcaico e que, portanto, é