Obras do modernismo
Chamava-se Chico. De quê? Ele mesmo não sabia...
– Gente pobre não tem nome... – costumava dizer.
Tinha sete anos. De dia vendia jornais, de noite apanhava bordoada do irmão mais velho, o Zico, que vivia embriagado.
A mãe havia muitos anos que estava atirada sobre um colchão velho, paralítica, cadavérica, tendo a todas as horas do dia, diante dos olhos baços e sem expressão, o mesmo quadro de miséria e desalento: as paredes sórdidas do quarto, donde pendiam molambos, o teto carcomido e cheio de teias de aranha, a janela sem batentes, eterna-mente escancarada, mostrando uma nesga de céu em que nas noites claras se vislumbrava, como uma esmola luminosa, a claridade fugidia de estrelas...
O pai – Chico mal se lembrava disto – morrera por um dia triste de inverno, de peste, e se fora, quase nu, dentro duma carroça velha que ia fazendo tóc-tóc-tóc-tóc. . ., aos solavancos, pela estrada barrenta e sinuosa que ia dar no cemitério.
Chico ouvia sempre dizer que havia lá em cima, no céu, um Deus muito bom e muito severo. que não queria que as crianças dissessem nomes feios nem desobedecessem aos mais velhos. Era um homem muito poderoso, que punha empenho em que todas as cousas na terra andassem direitas e bem feitas.
Surgia, então, na cabecinha do garoto um problema intrincado e insolúvel.
Chico via no mundo (mundo era a cidade em que ele, Chico, morava) gente feliz, rica, alegre; crianças que andavam bem vestidas, que tinham brinquedos surpreendentes e que comiam os doces mais saborosos desta vida. Via, ao mesmo tempo, de Outro lado, os infelizes, os desprotegidos da fortuna, os que rolam pão duro e andavam a ferir os pés descalços no pedregulho das ruas. E o pequeno não podia compreender a razão de tanta desigualdade de sorte no mundo. Como era que Deus, tão bom e tão justo, consentia em que existissem crianças felizes e protegidas, ao mesmo passo que existiam outras, desgraçadas e sós, que, pra ganhar alguns tostões, – magríssimos tostões –, tinham de