morna
A tradição oral sugere que as vozes da Morna antiga eram femininas e de cariz gutural.
Talvez uma das últimas representantes, linha directa das ‘cantadeiras’, foi a cantora
Hermínia, falecida em 2010.
O testemunho do António Aurélio Gonçalves, amador de música e da Morna, é verosímil.
Segundo ele, a morna da Brava, cantada com voz mais adocicada, mais suave, teria chegado a S.Vicente por volta de 1916. Foi a partir de S.Vicente, em contacto com o canto do Brazil e do tando da Argentina que as vozes femininas e masculinas começaram a ter uma singular
‘catedral’, menos gutural, mais brilhante e romântica, algo nostálgica e melancólica. Entre outros, Bana, Ildo Lobo, Djack Monteiro, Cesária Évora, Fernando Queijas, Fantcha,
Maria Alice, Titina, são os mais representativos desta forma de cantar a Morna.
Em S.Vicente, muitas vezes os mestres-compositores escolhiam eles próprios essas vozes que educavam nas noites de serenata, nos bares, nos convívios, nos bailes. Ti Goi, compositor, foi um talentoso ‘descobridor’ dessas vozes. A rádio Club tinha também essa vocação e também a Rádio Barlavento: faziam-se gravações em discos de 78 rotações e os produtores dessa época tinham bom gosto, intuição, paciência, entusiasmo.
A grandeza dessas ‘catedrais’, dessas vozes únicas, que interpretam as Mornas com essa singularidade, que tem a ver com a parte física do corpo, mas também com a ‘alma’, ainda existe. Mas alguns faleceram, outros abandonaram o palco, outros, por doença, entrada nos anos ou falta de manutenção da ‘catedral vocal’, perderam pouco a pouco as faculdades.
Algures esta linhagem deve existir.
Vasco Martins
Investigador/INIC
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