Memorial de M rcia Nascimento
Desde criança minhas características de fóg (branco) têm me marcado muito, sendo eu uma índia Kaingang. Lembro-me das inúmeras vezes em que minha avó materna chamava-me de inh fóg sĩ (minha branquinha), entretanto, nunca tive duvidas sobre quem eu sou realmente. Ao contrario, aprendi desde muito cedo ter orgulho de minha origem. Prova disso, é que mesmo ter nascido numa época em que meu povo sofria fortes pressões para o total abandono da língua kaingang, por resistência dos meus pais, o kaingang tornou-se minha língua materna, ao contrário de muitos que não tiveram este privilegio. Aprendi a falar o português fluentemente somente aos sete anos de idade, quando comecei a freqüentar a escola.
Por muito tempo procurei compreender em que momento esse sentimento de patriotismo em relação a minha etnia aflorou em mim, por quais razões. Nessa procura, porem, encontrei muito mais do que meras razões. Nas historias sagradas de meu povo me reencontro e compreendo a verdadeira essência de minha vida, embaraçado pelos longos séculos de luta e sobrevivência.
Pensei, refleti, mas não encontrei outra forma de falar de mim, de transcorrer sobre minha memória, sem falar de kaingang, de história kaingang.
No meu primeiro ano de escola em 1987, a professora fóg, Suzana do Valle era quem ensinava a língua kaingang. Na escola não tinha professor índio na época. A professora não sabia falar o kaingang, apenas conhecia os sons das letras e o significado de algumas palavras. Parece que tinha uma boa noção de fonética. Muitas vezes tínhamos que adivinhar o que ela queria dizer, era divertido. Mas fui alfabetizada dessa forma. Somente na 4ª serie tive aulas com uma professora kaingang, falante da língua.
Assim que aprendíamos a ler e escrever, ganhávamos como prêmio, uma bíblia escrita no kaingang para ler no culto no domingo seguinte. Era um grande incentivo para nós, mal podíamos esperar para mostrar aos nossos pais que já sabíamos ler. Era um anuncio em