Marx e seu Legado
Num momento determinado de seu ambicioso projeto intelectual, Marx declarou a intenção de redigir um livro que abordasse o tema do Estado (Marx, 1965,
Prefácio). Esse livro nunca foi escrito e tudo o que se pode dizer acerca desse assunto deve sê-lo a partir de passagens esparsas e notas fragmentadas, retiradas de ensaios diversos e desiguais, tanto na forma como no conteúdo (Châtelet et al., 1977). Por isso mesmo, a escassez de referências explícitas sobre a questão do Estado em geral e sobre o Estado capitalista em particular gerou um conjunto de interpretações que, apesar de “autorizadas” por certos textos de Marx
(sejam os escritos sobre economia, sejam os textos sobre política europeia), foram elaboradas sobretudo para atender às intenções críticas (por exemplo, Aron, 1967;
Colletti, 1979) ou meramente apologéticas dos analistas.
O objetivo deste ensaio é, partindo dessa constatação, identificar em O 18 Brumário de Luís Bonaparte algumas proposições gerais sobre a política que mais tarde se tornaram fundamentais noutra direção: para o desenvolvimento e a elaboração de uma teoria marxista do Estado.
Apesar das notáveis diferenças encontradas na bibliografia dos “neomarxistas” acerca do Estado capitalista (Miliband,
1969; Poulantzas, 1971, 1976b, 1978;
O’Connor, 1973; Offe, 1975, 1982a,
1982b; Vincent et al., 1975; Hirsch, 1976,
1979, 1990; Altvater, 1976; Aglietta, 1976;
Boccara, 1978; Laclau, 1978; Wright 1978;
Wieviorka e Théret, 1978; Salama, 1979;
Block, 1980; Théret, 1992; Therborn,
1989; entre outros), esses autores circulam em um campo teórico comum que já podemos encontrar esboçado naquela obra. O nosso interesse pelo livro de Marx está em reconstruir esses esboços, esses esquemas e suas sugestões de análise sobre o Estado e os processos políticos. Não nos deteremos assim na infinidade de detalhes factuais presentes no texto marxiano, a não ser quando isso for importante para o propósito deste