Malhadinhas
Nesta famosa obra de Aquilino Ribeiro se conta a vida do Malhadinhas, homem da Beira Alta, almocreve de profissão. Do berço à cova, todas as suas aventuras são contadas em estilo galhardo e solto, recorrendo a expressões populares bem pesadas pela mão do mestre. Aliás, a dose certa é o que mais impressiona nesta obra: quer na velocidade dos eventos, quer na ponderação do discurso, ora popular, ora erudito. Nuinca deixa Aquilino de escrever magistralmente, temperando sempre o verbo com o sal da terra e dos costumes e das gentes.
Há um grande debate moral em toda a história. Talvez seja esta a mensagem da obra, a relativização dos conceitos morais e civilizacionais: o gesto bárbaro que, circunstancialmente se torna aceitável (lembro-me da violação daquela que viria a ser a mulher de Malhadinhas), em passos que trazem o cunho da verosimilhança. Excepção feita talvez ao exemplo que deixei entre parentesis: pelo que Aquilino deu da mulher de Malhadinhas antes do episódio do rapto, nada indicaria a conformação da mesma, registada no subsequente enredo, nem, muito menos, o amor que, pelo dado posteriormente, seria de solidez granítica.
Talvez resida aí, nessa excepção, uma intenção do autor em mostrar a vanidade dos conceitos românticos e lamechas: pode ser uma reflexão sobre a ligação entre o idealizado e o real, que por vezes trocam de papéis. Nem sempre é o real caminho para o ideal, transmutar-se-á amiude o que sucede, o real, em pré-sonhado. Assim se convencerão as almas trocadas, assim se acomodarão, naquele movimento eterno da alma humana, entre o sonho e o real, entre o real e o sonho. Talvez seja este episódio o mais significativo da obra, o tema fulcral.
É da Vida que trata a obra, mas dizê-lo é nada dizer. Dos pormenores, das subjectividades, dos valores, da resistência ao determinismo, de tudo isso, em partes distintas, pulsa o texto. A honra será pedra basilar da alma de Malhadinhas, mas a sua concepção do divino,