Lulismo
Agora, com as eleições, começou a aparecer uma fala, interessantíssima, que é mais ou menos a seguinte: "gente, o Lula fez um mal danado ao país... vocês não sabem como está o nordeste, com a bolsa-família... ninguém quer mais trabalhar... aqui [sudeste], 100 reais não é nada, mas lá... um erro, um erro..." Não é preciso esticar muito o cérebro para perceber o duplo grau de miséria. Em que nível de desenvolvimento socioeconômicocultural está um lugar no qual 100 reais a mais no orçamento familiar causa a alegria de uns e a raiva de outros? Esta reação da classe média paulistana não só mostra a miséria material da população de baixíssima renda do norte e nordeste, como também a miséria espiritual das classes urbanas do sul. De onde vem isso, afinal?
São muitos os escritos sobre o caráter retrógrado da sociedade brasileira. Fala-se especialmente do pensamento atrasado da elite dirigente, da classe dominante. Vai-se ao limite de dizer que é marca do Brasil "uma burguesia especialmente despojada de 'ilusões humanitárias' " [1, aspas do autor]. Ora, mas o que seriam ilusões? Uma tentativa fracassada de "ilusão humanitária", acontecida no declínio da ditadura militar, talvez indique algumas raízes desta anomalia das Américas.
Em 1976, quando o milagre econômico da ditadura acabou, e foi ficando difícil os generais continuarem no poder, o senador fluminense Saturnino Braga, do MDB, criticava a política das exportações. Não que fosse mal exportar, mal era o ponto até onde foi o governo militar, dando "uma soma tão grande de incentivos - isenção de IPI, isenção do ICM, crédito do IPI, financiamento a juros subsidiados e outros - imposto de renda, também, que muitos economistas nossos sustentam que estamos vendendo [nossa produção] a preços inferiores aos custos internos de produção, subsidiando, portanto, o consumo de outras nações" [2, itálico meu]. Quando li este final de frase pela primeira vez, não acreditei no absurdo,