Livro "A bolsa amarela" PDF
Eu tenho que achar um lugar pra esconder as minhas vontades. Não digo vontade magra, pequenininha, que nem tomar sorvete a toda hora, dar sumiço da aula de matemática, comprar um sapato novo que eu não agüento mais o meu. Vontade assim todo o mundo pode ver, não tô ligando a mínima. Mas as outras - as três que de repente vão crescendo e engordando toda a vida - ah - essas eu não quero mais mostrar. De jeito nenhum. Nem sei qual das três me enrola mais. Às vezes acho que é a vontade de crescer de uma vez e deixar de ser criança. Outra hora acho que é a vontade de ter nascido garoto em vez de menina.
Mas hoje tô achando que é a vontade de escrever. Já fiz tudo pra me livrar delas. Adiantou? Hmm! é só me distrair um pouco e uma aparece logo. Ontem mesmo eu tava jantando e de repente pensei: puxa vida, falta tanto ano pra eu ser grande. Pronto: a vontade de crescer desatou a engordar, tive que sair correndo pra ninguém ver. Faz tempo que eu tenho vontade de ser grande e de ser homem. Mas foi só no mês passado que a vontade de escrever deu pra crescer também. A coisa começou assim: Um dia fiquei pensando o que é que eu ia ser mais tarde. Resolvi que ia ser escritora. Então já fui fingindo que era. Só pra treinar. Comecei escrevendo umas cartas:
"Prezado André Ando querendo bater papo. Mas ninguém tá a fim. Eles dizem que não têm tempo. Mas ficam vendo televisão. Queria te contar minha vida. Dá pé"?
Um abraço da Raquel.
No outro dia quando eu fui botar o sapato, achei lá dentro a resposta:
Dá. André.
Parecia até telegrama, que a gente escreve bem curtinho pra não custar muito caro. Mas não liguei. Escrevi de novo:
"Querido André Quando eu nasci minhas duas irmãs e meu irmão já tinham mais de dez anos. Fico achando que é por isso que ninguém aqui em casa tem paciência comigo: todo o mundo já é bem grande há muito tempo, menos eu. Não sei quantas vezes eu ouvi minhas irmãs dizendo: "A