Livro historia do direito
No cenário instituído por uma cultura marcada pelo individualismo político e pelo formalismo legalista, projeta-se a singularidade de um agente profissional incumbido de compor os quadros político-burocráticos do Império e de grande parte da República. Com a criação dos primeiros cursos jurídicos, o aparecimento do bacharel em Direito acabou impondo-se como uma constante na vida política brasileira. Tratava-se não só da composição de cargos a serviço de uma administração estatal em expansão, mas, sobretudo, representava um ideal de vida com reais possibilidades de segurança profissional e ascensão a um status social superior. Isso se revestia de demasiado significado numa sociedade escravocrata em que o trabalho manual era desprezado em função de letrados urbanos que se iam ajustando e ocupando as crescentes e múltiplas atividades públicas.72
No que se refere à solidificação do imaginário legal oficial, não estão muito distantes, em termos de equivalência funcional, o magistrado português do período colonial que servia aos interesses da Metrópole e o bacharel-jurista dos séculos XIX e XX que expressava, com sua presença, o resguardo dos intentos locais das elites agrárias. Vale destacar que, na prática, o sucesso do bacharelismo legalista devia-se não tanto ao fato de ser uma profissão, porém, muito mais uma carreira política, com amplas alternativas no exercício público liberal, pré-condição para a montagem coesa e disciplinada de uma burocracia de funcionários.73 É preciso reconhecer que o bacharelismo, não obstante originar-se de camadas sociais com interesses heterogêneos, pois expressava intentos agrários e urbanos, favorecia, igualmente, uma formação liberal-conservadora que primava pela autonomia da ação individual sobre a ação coletiva. Não menos verdade, o bacharelismo nascido de uma estrutura agrário-escravista se havia projetado como o melhor corpo profissional preparado para