Literatura
CLEPSIDRA Camilo Pessanha 1
INSCRIÇÃO
Eu vi a luz em um país perdido. A minha alma é lânguida e inerme. Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! No chão sumir-se, como faz um verme...
SONETOS
2
CAMINHO
I
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente Sinto um vago receio prematuro. Vou a medo na aresta do futuro, Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro Do peito afugentar bem rudemente, Devendo, ao desmaiar sobre o poente, Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d'harmonia, Toda a luz desgrenhada que alumia As almas doidamente, o céu d'agora,
Sem ela o coração é quase nada: Um sol onde expirasse a madrugada, Porque é só madrugada quando chora.
II
Encontraste-me um dia no caminho Em procura de quê, nem eu o sei. Bom dia, companheiro, te saudei, Que a jornada é maior indo sozinho
É longe, é muito longe, há muito espinho! Paraste a repousar, eu descansei... Na venda em que poisaste, onde poisei, Bebemos cada um do mesmo vinho.
É no monte escabroso, solitário. Corta os pés como a rocha dum calvário, E queima como a areia!... Foi no entanto
Que choramos a dor de cada um... E o vinho em que choraste era comum: Tivemos que beber do mesmo pranto.
III
Fez-nos bem, muito bem, esta demora: Enrijou a coragem fatigada... Eis os nossos bordões da caminhada,