LITERATURA JUVENIL: ASPECTOS, DÚVIDAS E CONTRADIÇÕES
Revista FronteiraZ, São Paulo, n. 6, abril de 2011.
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LITERATURA JUVENIL: ASPECTOS, DÚVIDAS E CONTRADIÇÕES
Ricardo Azevedo
1. Sobre a literatura e o sistema cultural dominante
Toda a literatura é obra de indivíduos, mas obviamente é também uma manifestação da sociedade em que é produzida. Escritores não habitam o vácuo.
Ao mesmo tempo, num outro plano, a literatura deve ser vista, conforme sugeriu Norbert
Elias (1994), entre outros, como testemunho e expressão de certo nível de consciência construído socialmente. Tal fato pode implicar a existência de diferentes modelos culturais atuando sinergicamente no interior de uma mesma sociedade e numa mesma época.
Na sociedade brasileira, por exemplo, os padrões sociais, éticos e estéticos das culturas populares, marcados pela oralidade e suas implicações, diferem nitidamente dos padrões considerados eruditos e/ou modernos, marcados pela cultura escrita e suas implicações.
Em geral, julgamos que o nosso padrão de “consciência” seja bem melhor, mais evoluído e mais lógico do que outros.
Embora confortável, tal postura lembra as tais “fórmulas feitas” sugeridas por John Searle: tem o dom de nos fazer abandonar os problemas antes de resolve-los.
A “cultura moderna”, o sistema cultural dominante, fonte indiscutível de nossa visão de mundo (e de nosso “nível de consciência”), costuma ser descrita como um modelo social impregnado por uma ideologia individualista (segundo a qual os interesses individuais são, por princípio, mais importantes que os da coletividade), pela visão de mundo fundada na economia e na técnica, e pela idéia de mercado “local onde tudo pode ser trocado, comprado e vendido” (DA
MATTA, 1979). Nesta paisagem, a relação dos homens com as coisas pode ser mais valorizada do que a relação entre os homens.
Somando tudo, temos uma sociedade composta de pessoas que tendem a sentir-se separadas ou “autônomas” em