Liberdade de crença e a objeção à transfusão de sangue por motivos religiosos
SANGUE POR MOTIVOS RELIGIOSOS
Fábio Carvalho Leite1
“Desde que alguns autores me convenceram definitivamente de que a astrologia não é uma ciência, comecei a acreditar nos horóscopos”.
Rubem Braga2
1. Introdução
O humorista José Simão, em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, certa vez noticiou que “a polícia de Vinhedo está à procura de duas falsas cartomantes”, para em seguida indagar:
[mas] “como distinguir uma cartomante falsa de uma verdadeira?” 3 Esta questão, embora levantada em tom caricato, sintetiza bem um problema relacionado à falta de legitimidade do
Estado para
lidar com situações que envolvem essencialmente a liberdade de crença dos
indivíduos – tema sensível que, no Brasil, tem merecido um tratamento superficial e convenientemente vago, tanto no campo doutrinário como – e talvez em conseqüência – na esfera jurisprudencial, onde os juízes, ao se depararem com os problemas concretos, acabam por tomar decisões e assumir posicionamentos a partir de fundamentos bastante questionáveis... que vencem, mas não convencem.
De fato, a doutrina constitucionalista brasileira não oferece uma orientação segura a respeito do alcance do direito à liberdade religiosa, o que se deve em parte a um problema mais genérico na metodologia adotada – ou, por vezes, na falta dela – na abordagem dos direitos fundamentais4. Em relação à liberdade religiosa especificamente, a abordagem doutrinária
1
Professor de Direito Constitucional dos cursos de graduação e pós-graduação da PUC-Rio. Coordenador (adjunto) dos cursos de Mestrado e Doutorado em Teoria do Estado e Direito Constitucional da PUC-Rio. Mestre em Teoria do
Estado e Direito Constitucional (PUC-Rio) e Doutor em Direito Público (UERJ). Coordenador do Núcleo de Estudos
Constitucionais da PUC-Rio. Assessor Jurídico da Reitoria da PUC-Rio.
2
Apud. CARVALHO, Marco Antonio de. Rubem Braga: um cigano fazendeiro do ar. São Paulo: Globo,