Kundera
M. K.: Apreender a complexidade da existência no mundo moderno exige, parece-me, a técnica da elipse, da condensação. De outra maneira, você cai numa armadilha sem fim.
O homem sem qualidades é um dos dois ou três romances que mais amo. Contudo, não me peça para admirar sua imensa extensão inacabada. Imagine um castelo tão imenso que não se pode abrangê-Io com o olhar. Imagine um quarteto que dura nove horas. Há limites antropológicos que não se devem ultrapassar, os limites da memória, por exemplo. No fim de sua leitura, você ainda deve ser capaz de se lembrar do começo. De outro modo, o romance se torna informe, sua "clareza arquitetônica" se obscurece.
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C. S.: livro do riso e do esquecimento é composto de sete partes. Se as tivesse tratado de uma maneira menos elíptica, você teria podido escrever sete longos romances diferentes.
M. K.: Mas se eu tivesse escrito sete romances independentes, não teria podido esperar apreender "a complexidade da existência no mundo moderno" em um só livro. A arte da elipse me parece, portanto, uma