Janela da alma, espelho do mundo - Marilena Chauí
Raras vezes despertam atenção as palavras de nosso cotidiano. (...). Aceitamos discordâncias dizendo que cada qual tem direito ao seu ponto de vista ou à sua perspectiva, sem causar-nos estranheza o crermos que a origem das opiniões dependa do lugar de onde vemos as coisas e sem que nos detenha a palavra ‘perspectiva’.
(pág. 31)
Pouca atenção prestamos à relação que espontaneamente fazemos entre ver e falar quando, acautelando alguém, dizemos: ‘veja o que diz’. Assim como não nos demoramos na relação entre ver e escutar quando, em vez de ‘escute’, dizemos: ‘olhe aqui!’.
A palavra visionário nos vem imediatamente quando pretendemos designar tanto aquele que conhece o futuro quanto aquele que sonha sonhos impossíveis, tanto aquele que vê mais e melhor do que nós quanto aquele que nada vê. (...). Não cremos apenas que o tempo, futuro ou passado, destina-se à visão. Essa crença reafirma nossa convicção de que é possível ver o invisível, que i visível está povoado de invisíveis a ver e que, vidente, é aquele que enxerga no visível sinais invisíveis aos nossos olhos profanos.
Assim falamos porque cremos nas palavras e nelas cremos porque cremos em nossos olhos: cremos que as coisas e os outros existem porque os vemos e que os vemos porque existem. Somos, pois, espontaneamente realistas.
(pág. 32)
(...) as janelas da alma são também espelhos do mundo. Se, desde a Renascença, pintava-se nos olhos uma pequena janela, também dava-se ao espelho, fora ou dentro do quadro, um lugar privilegiado.
(pág. 34)
Quem olha, olha de algum lugar. Skópos se diz daquele que observa do alto e de longe, vigilante, protetor, informante e mensageiro. (...). Por isso, sua prática não é apenas vigiar e espiar, mas significa, ainda, refletir, ponderar, considerar e julgar.
(pág. 35)
Todavia, aos olhos maravilhados que mergulham no milagre contrapõe-se um outro olhar, atento, avesso à admiração e ao espanto. São os olhos para