Ironia, pessimismo e realidade
Instituto de Letras
Departamento de Teoria Literária e Literaturas – TEL
Disciplina: Historiografia e historicidade literária
Profº: Hermenegildo Bastos
A Bíblia às avessas: ironia, pessimismo e realidade histórica em “Na arca”, de Machado de Assis
Tiago Ferreira da Silva[1]
Resumo: Este artigo pretende analisar de que modo o conto Na arca, de Machado de Assis, ao apropriar-se ironicamente do discurso bíblico, problematiza a ganância como reflexo da contradição humana e também põe em discussão questões relativas à realidade brasileira e seu processo de formação. em especial no que tange à disputa territorial e à propriedade privada.
Nos contos da chamada “fase madura” da produção de Machado de Assis (iniciada em Memórias Póstumas de Brás Cubas e nos contos de Papéis Avulsos), a presença da religião e de elementos ligados ao universo religioso (cristão) constitui um dos elementos recorrentes para ilustrar a visão crítica e o pessimismo do autor. Nas narrativas em que esses aspectos são mais claramente utilizados, há mais do que uma mera abordagem dessa temática: o autor trabalha com uma escrita que se estrutura em dizer o não dito, valendo-se, muitas vezes, de alegorias ou de certa ornamentação de suas narrativas com uma roupagem religiosa para nos remeter à configuração histórico-social da sociedade em que vivia, como se percebe no conto “Na Arca – três capítulos inéditos do Gênesis”, integrante da coletânea Papéis Avulsos.
A visão problematizadora que aparece com toda a força nos chamados “contos da maturidade” (de Papéis Avulsos a Páginas recolhidas), auge da capacidade criadora de Machado, traça um quadro da realidade, tipos e costumes do Brasil do 2º Reinado e 1ª República, mesmo que recorrentemente o autor trate o assunto de forma alegórica[2]. A problematização presente em suas pequenas narrativas revela que o autor dispôs-se a travar um vigoroso e particular diálogo com a